Há mais de 500 anos atrás sobre este
solo proclamava-se “em se plantando tudo dá”. Em sua carta ao Reino, Pero Vaz
de Caminha exaltava o grande êxito de sua missão expedicionária na fase das
grandes navegações e conquistas. De fato, o Brasil tem das mais belas
diversidades culturais e imateriais da humanidade.
O povo
brasileiro original e conquistador, embrenhado na mata, no roçado, no paiol,
fez ao longo de centenas de anos o que a cultura efervescente dos povos em
geral faz - inventava as maiores tradições culinárias e degustativas
possíveis com sua criatividade e exuberância natural, no caso a intangível e
internacionalmente celebrada culinária tradicional brasileira.
E de alto valor
nutritivo.
Pero Vaz de Caminha não estava de todo
errado: em se plantando (quase) tudo dá. Entretanto, sem talvez perceber,
naquela carta antevia-se ali que tamanho êxito não poderia ter sido maior:
fadava-se por vez a colônia - Brasil - à condição de “fazenda do mundo” como
somos vistos até os dias de hoje. O Brasil segue atualmente sob a mesma ótica
de condição de colônia, não apenas pelos patrícios de então, mas pela noção
determinada pelos interesses macroeconômicos mundiais: de que o território não
mais nos pertence, mas sim ao mercado de commodities.
Ao longo desses cinco séculos passados,
a associação de fatores como o advento das metrópoles, a mobilidade urbana a
grandes distâncias percorridas em lenta e agonizante trajetória, a conveniência
de obtenção de alimentos prontamente acessíveis, a demanda por simplicidade em
armazenamento e boa estabilidade a longo prazo, e a necessidade de alimentos de
baixo custo, levou à busca e consolidação por uma matriz alimentar gerenciável
por técnicas agrícolas mecanizadas extensivas de alta produtividade.
Em questão de pouco tempo, em apenas 2 a
5 gerações, a humanidade experimentou um panorama alimentar (“foodscape”) completamente novo,
diferente de tudo aquilo ao qual o organismo humano teria sido acostumado ao
longo de milhares de anos de adaptação e evolução. Hoje a base alimentar da
população mundial ocidentalizada está estabelecida sobre grãos e outros gêneros
de elevado valor energético, mas de baixa densidade nutricional, sobre óleos de
sementes altamente refinados e outros tantos sintéticos (trans e
interesterificados), grande consumo per
capta de açúcar, aditivos químicos, combinados em uma forma ultraprocessada,
e embebidos em vistosas embalagens com dizeres atrativos sobre possíveis
benefícios a saúde e acompanhado de listagem de composição e uma tabela
nutricional incompreensíveis para a maioria.
Neste cenário de expansão das
sociedades afluentes amparado por essa nova matriz alimentar ultraprocessada,
silenciosamente o estado de saúde até então dito “normal” dá lugar ao “comum”
em meio a novas e idiopáticas condições
fisiopatológicas que emergem silenciosamente:
hiperglicemia,
hiperinsulinemia,
hipertensão,
dislipidemia,
obesidade,
câncer,
doenças autoimunes,
neurodegeneração,
dentre
outras doenças de cunho metabólico.
São doenças não infecciosas,
não-parasitárias, um novo paradoxo que Oswaldo Cruz e outros grandes nomes das
ciências da saúde não conheceram, doenças ditas não-comunicáveis que se
tornaram uma pandemia mundial pela ocidentalização da cultura da bonança
alimentar, do tudo por dinheiro, que não impõe limites ao capital estimulando
ao máximo o consumerismo, levando a prejuízo por fim da saúde do povo, da
humanidade.
Hoje se investe internacionalmente
consideráveis somas de recursos públicos e privados em ciência no estudo de
bases moleculares dessas doenças da modernidade, as novas mazelas criadas pelo
homem: a forma de se alimentar e seu estilo de vida, conseqüências também de
suas ações sobre a natureza, que rebatem sobre seu próprio organismo e de suas
gerações seguintes, mexem com sua epigenética e exercem ações que passam, por
exemplo, por desrupção de microbiota simbiôntica intestina, novo painel
macronutritivo e adaptação metabólica no próprio organismo e sua prole, doenças
autoimunes e severa deficiência em micronutrientes. Tudo na mais vã tentativa
de se obter aquela sonhada bala de prata, a grande descoberta científica que permitirá obter o mais novo fármaco revolucionário ou incremental na terapia de doenças
metabólicas degenerativas da modernidade. E que será usada apenas
paleativamente, enquanto deveriamos estar promovendo a prevenção.
Paradoxalmente,
a restituição de saúde e promoção da longevidade não parece interessar
macroeconomicamente, pois só aumentaria a idade populacional, a quantidade de
pessoas dependentes de sistema previdenciário, do uso de sistemas particulares
e públicos de saúde, e um grande numero de pessoas de maior idade que não
contribuem para o crescimento econômico. E menor consumo de bens, salvo
medicamentos.
Com
7 bilhoes de comensais em casa e uma projeção de 9 bilhoes para os próximos
anos, seguimos em uma nova marcha do progresso da evolução humana, resultando
em uma humanidade doente em um planeta doente. Sob a ótica macroeconômica isso é ótimo: ela
está aquecida. Sob a ótica da biosfera isso é nada mais que consumerismo
concomunado com a depreciação de recursos naturais somado a agricultura
extensiva e pecuária intensiva não-orgânicas, fadando o homem e outros animais
a estado permanente de doença e, eventualmente, desaparecimento da espécie.
A sociedade
fez da cornucópia uma caixa de pandora, aberta por mãos imbuidas da
bonância e ganância. Desta sairam os males que nos acometem atualmente.
Segundo
o renomado bioquímico e antropólogo Jared Diamond, Prof. da Universidade da
Califórnia e estudioso de sociedades e mecanismos pelas quais surgiram e
colapsaram, a conquista da agricultura foi o pior erro da humanidade e seguindo
o curso atual poderemos vivenciar uma nova idade da pedra daqui a cem anos.
Sob
certa ótica, não soaria má idéia retornar à era neolítica ou talvez
paleolítica. Poderia em verdade vir a ser um grande benefício para a humanidade,
cerrando de vez a tampa do mito grego e ofertando à biosfera o que lhe resta de
esperança.
Leitura Recomendada
& Referências.
·
Barbara Fraser. “Deforestation: Carving up the Amazon - A
rash of road construction is causing widespread change in the world's largest
tropical forest — with potentially global consequences”.
http://www.nature.com/news/deforestation-carving-up-the-amazon-1.15269
·
EcoWatch. “How Organic Farming Contributes to a Sustainable
Food System”. http://ecowatch.com/2013/01/15/organic-farming-sustainable-food/
·
Jared Diamond. “We Could Be
Living in a New Stone Age by 2114”. http://www.motherjones.com/environment/2014/04/jared-diamond-inquiring-minds-humanity-survival
·
Jared Diamons. “The
Worst Mistake in the History of the Human Race”.
http://discovermagazine.com/1987/may/02-the-worst-mistake-in-the-history-of-the-human-race
·
Mark Bittman. “Now This Is Natural Food”. http://www.nytimes.com/2013/10/23/opinion/bittman-now-this-is-natural-food.html?_r=0
·
Myers et al. “Human health impacts of ecosystem
alteration”. http://www.pnas.org/content/110/47/18753
·
Nature. “Farmed salmon harbour pollutants. Study may
undermine salmon's status as a 'healthy' food”. doi:10.1038/news040105-10.
·
The Telegram. “China says 1/5 of
its farmland polluted”.
http://www.thetelegram.com/Business/2014-04-18/article-3694693/China-says-1-5-of-its-farmland-polluted/1
·
Tom Philpott. “Chicken Nuggets, With a Side of Respiratory
Distress” http://www.globalpossibilities.org/chicken-nuggets-with-a-side-of-respiratory-distress/
·
Tom Philpott. “Our Alarming Food Future, Explained in 7
Charts”.
http://m.motherjones.com/tom-philpott/2014/05/6-alarming-facts-food-and-global-warming
·
Valor Econômico. “Um gigante agrícola com 'pés de barro”.
www.valor.com.br/agro/3528630/um-gigante-agricola-com-pes-de-barro
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